
Sábato continua no equívoco monumental da ligar Borges, um literato, como os sofistas. Sofisma é um conceito filosófico, não artístico. Segue: “Para ele, neste momento, a filosofia não pode se propor à verdade (em outro, mais sério, mais culpado, dirá o contrário), e tudo é confundível”.
Segue: “Assim, esse autor que diz na filosofia só busca suas encantadoras possibilidades literárias e que, com efeito, as aproveita para seus relatos, em outro lugar, reconhece que ‘a história da filosofia não é um jogo vão de distrações, nem de jogos verbais’. O autor que põe o engenho como atributo mais alto da literatura, e que faz de um argumento engenhoso a base (e até a essência) de muitos de seus contos exemplares, nos diz em outro lugar (...) que a literatura como jogo formal é inferior à literatura de homens como Cervantes ou Dante, que jamais a exerceram desse modo”.
Borges não foi um idiota e sabia perfeitamente que “a história da filosofia não é um jogo vão de distrações, nem de jogos verbais”. O que não invalida a tese que defendo aqui: a Filosofia também é um jogo verbal, o que, portanto, não quer dizer que seja só isso. Lembremos que a Filosofia é a “mãe” do conhecimento ocidental (e, talvez, mundial) e não tem “ramificações”. Ou seja, a Filosofia pode abarcar as demais áreas do conhecimento, como são a própria Arte e Ciência. O contrário, no entanto, não é necessariamente verdadeiro (e eu duvido que o seja). Além disso, Sábato compara Borges com Cervantes e Dante. Essa é uma comparação “justa”? E, para além disso, Quixote não tem algo de lúdico?
O “jogo”, segundo Sábato, posterga, mas não aniquila nossas angústias. E as angústias de Borges reapareceriam no culto de autores “que não são de forma alguma o paradigma de sua estética, nem de sua ética literária: Whitman, Mark Twain, Goethe, Dante, Cervantes, Leon Bloy e até Pascal”.
E essa culto de Borges, no entanto, é ambíguo, pois sua “paixão verbal” falaria mais alto, de tal modo que: “(...) do vasto Quixote, nos recomendará suas ‘magias parciais’; do áspero Dante, se regozijará em sua complicada e livresca teologia, ou na forma de seu inferno; do complexo Joyce, se deleitará com o inventor de palavras e recursos técnicos, com o erudito e engenhoso; do tremendo Nietzsche reterá a tese (atraente e literária) do eterno retorno; do atormentado e intratável Schopenhauer, sua paixão pelas artes e sua idéia do mundo como resultado da vontade e representação”.
E arremata: “Sob essa ambigüidade, creio perceber o culto secreto pelo que a ele falta: vida e força”.
O incrível é que Sábato precisou desmerecer a obra de Borges para chegar em uma conclusão óbvia. Que Borges teve certa dificuldade de “viver”, qualquer biografia o diz. Se formos benevolentes, e acrescentarmos ao conceito de “viver” o de “pensar”, Borges ganha pontos.
“(...) o Borges que queremos resgatar e que, de fato, é resgatável: o poeta que uma vez cantou coisas humildes e fugazes, mas simplesmente humanas: um crepúsculo de Buenos Aires, um pátio de infância, uma rua no subúrbio. Este é (atrevo-me a profetizar) o Borges que ficará. O Borges que, depois de seu périplo frívolo por filosofias e teologias nas quais não crê, volta para este mundo menos brilhante, mas em que acredita; este mundo em que nascemos, sofremos, amamos e morremos”.
E, por que, resgatar apenas “um” dos Borges? Se, como quer Sábato, há uma certa oposição entre os dois Borges, seria, na minha opinião, injusto resgatar apenas um. No entanto, o que queremos aqui reafirmar, com certa obviedade (que é desculpada pelo esquecimento de algumas pessoas), é que Borges é borgeano. “É confundível, bipolar e enxadrístico”. Não há Jogo sem Vida. Os dois são um, como Borges.
Léo.
Hola!
ResponderExcluirAaaai, Borges! rs. Gostei da sua crítica, sr. Da Vinci. Não porque compartilho do seu gosto pelo Borges, como você bem sabe, mas porque a crítica de Sábato, de fato é um tanto incoerente. Eu concordo com ele quando aponta a literatura de Borges como preocupada com ela mesma, com a forma, uma "metaliteratura", por assim dizer. Que é uma das coisas, inclusive, que me incomoda nele. Mas não acho que isso torne a literatura de Borges insignificante.
Além do mais, a "verdade" que tanto queria Sábato, nem ele deve ter encontrado em lugar algum. Como não seria possível que Borges encontrasse. Ou qualquer um, por mais genial que seja.
Enfim... Nesse caso, me coloco do lado de Borges. Mas só nesse, viu? =p
Beijo.