sábado, 27 de fevereiro de 2010

Seção Clássicos


Elogio ao Amor (Éloge de l’Amour), de Jean-Luc Godard (França/Suíça, 2001)

Jean-Luc Godard é daquele tipo raro de cineasta, que consegue fazer filmes infinitos. Alguns de seus filmes são, mais ou menos, como n’O Jogo da Amarelinha de Julio Cortázar, no qual um livro se desdobra em, pelo menos, dois. Entre os fracos Para Sempre Mozart (1996) e Nossa Música (2004), há uma pérola escondida na sua filmografia: Elogio ao Amor. O enredo – se é que podemos dizer que há, já que Godard desconstrói a linguagem cinematográfica – é aparentemente banal: um diretor procura três casais (um jovem, um adulto e um velho) para filmar um projeto, um filme. O filme seria sobre um dos quatro momentos do amor, que seriam segundo ele: o encontro, a paixão física, a separação e a reconciliação. E aqui Godard mostra a que veio, não se trata de amor no sentido mais usual do termo, daquele em que duas pessoas se unem de uma forma única. Assim, Edgar (Bruno Putzulu), o diretor, diz a sua mais jovem atriz: “Não é uma história de Eglantine (a personagem), mas a história (da juventude) acontecendo através dela”. Este é um dos elementos do Amor, segundo Godard, a História. Mas ela não poderá estar só, já que História pressupõe Memória, que pressupões Resistência. Essa é a tríade que explica o seu Amor. Por isso, o diretor dizia estar à procura da História, e não de “Julia Roberts” ou “Hollywood”. Todavia, as coisas não poderiam ser fáceis assim, a memória, como disse Henri Bergson, não tem obrigações. Assim, o Amor não as tem também. E pode vir daí a crítica de Godard, que poderia ser expressa do seguinte modo: a maioria das pessoas vivem sua vida e não as imaginam. Contudo, imaginar é também um modo de viver. É um modo de reconstrução da História, da Memória. A Memória só pode ser imaginada. E daí vem o sombrio fato de que “é estranho como a História foi substituída pela tecnologia”, ou no mais sombrio, dito por Edgar: “Philippe, os dias de frases acabaram”. No final deste último diálogo, Philippe (Philippe Lyrette) justifica o fato de chamar Edgar de senhor, apesar de ser mais velho: “Pode ser, mas ele (Edgar) é a única pessoa que está se transformando em adulto”. Vemos aqui a perda do idealismo de Godard, característica desta sua fase. Isso se reforça quando observamos as críticas políticas do filme. O diretor critica os americanos por não terem “nome” (são americanos, norte-americanos ou estadunidenses, do mesmo modo que um mexicano, ou canadense). E daí os americanos viriam a roubar a História dos demais. Os retratos da resistência católica e dos comunistas ganham o elogio de Godard, pois eles são formas de Amor, amour pour quelque chose. Outro fato importante para entendermos a importância da História é que nós estamos mudando sempre, e assim, a Memória se faz necessária. A História, feita por imagens, sons e indeterminações, como o filme de Godard. Assim, é simbólico quando uma personagem cita Santo Agostinho: “A medida de amar é amar sem medida”. Se amar é viver, imaginar, lembrar e resistir, amemos com Godard, mas com idealismo.



Léo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Fita Branca (Das Weisse Band – Eine Deutsche Kindergeschichte), de Michael Haneke (Alemanha/Áustria/França/Itália, 2009)


Crimes em uma Alemanha feudal

Numa aldeia do norte da Alemanha, no ano que precede a Primeira Guerra Mundial, começam crimes que violentam a moral ascético-protestante dos habitantes. A questão que ronda o filme é, num primeiro momento, aquela típica de Gilberto Braga: quem são os criminosos? No entanto, há mais do que isso, já que segundo o diretor, o filme é sobre “as raízes do mal”. Este é o filme A Fita Branca premiada com a Palma de Ouro em Cannes no ano passado. Michael Haneke, diretor do insípido, insosso e inodoro Caché (2005), traz, novamente, a idéia de tensão à grande tela. O filme de Haneke é um filme de alguém que realmente sabe dirigir. As tomadas são boas, a filmagem também o é – embora, às vezes, o filme tenha ficado escuro demais – e os atores estão bem, embora nenhum se destaque – talvez apenas o conjunto de crianças. É impossível não se lembrar de Ingmar Bergman – penso aqui em Luz de Inverno (1962). Ambos os filmes nos trazem pessoas frias que enfrentam crises, embora as crises sejam de naturezas diferentes. E é nesse ponto que reside o problema de Haneke: a sua tensão é falha. Citemos os próprios personagens que, se enfrentam uma tensão, esta não é grande o suficiente para sustentar e justificar o filme, já que os mesmos não chegam nem a se questionar sobre as suas próprias atitudes, nem sobre as atitudes dos demais. Outro fato reside na própria opção de narrativa de Haneke, que deu o encargo a um personagem, que viria a narrar o filme como uma espécie de memória. Assim, diferentemente da tensão (também insuficiente) de Caché, onde não há narração externa e temos só o uno protagonista como o vivente da tensão, em A Fita Branca, o mecanismo de narração distancia um pouco esse elemento que, no cinema de Haneke, é fulcral. Ademais, como Caché, o filme tem um final “aberto”. E aqui é um ponto altamente problemático, pois, se por um lado, não se deve cobrar um final necessariamente amarrado, por outro, não é possível que um cineasta filme 140 minutos e não se digne a fazer um final. Se o filme, como dizia Godard, “deve ter início, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem”, o filme de Haneke também peca, porque não tem fim. Entendamos “fim” aqui como um fim não apenas fílmico (que todo filme tem, já que o filme necessariamente acaba), mas de enredo em si. O filme tem o mérito de expor com clareza estupenda a questão da desigualdade social predominante na Alemanha de então, e parece, embora o diretor austríaco diga o contrário, uma possível explicação do início do nazismo – não entraremos nesse mérito, já que daria uma longa discussão. Um filme com a assinatura estranha de Haneke.

Cotação: *** (3/5)


Léo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Invictus (idem), de Clint Eastwood (EUA, 2009)


Uma invencibilidade questionada

O novo filme de Clint Eastwood é decepcionante. Confesso que sempre tive certo preconceito com Eastwood devido ao seu passado western. No entanto, tenho que admitir que sua carreira como diretor estava, até então, impecável, já que ele tirou o melhor possível das histórias que dirigiu – se essas histórias são ou não boas, isso são outros quinhentos. Mas esse não é o caso de Invictus. O primeiro ponto é o próprio roteiro, que é absurdamente desigual, com alguns momentos realmente tocantes e outros completamente inexpressivos. Assim, o filme não traz nenhuma fagulha de tensão, nem nos momentos tocantes. As atuações de Matt Damon e Morgan Freeman também são desiguais. Freeman está muito bem – até o sorriso de Mandela foi bem interpretado. Por sua vez, Damon não me pareceu confortável no papel. Foi uma atuação apagada, que não trabalhou bem o fator do conflito racial sulafricano – o seu personagem não pareceu ser tocado pela questão. E aqui voltamos ao roteiro, portanto: de modo geral, não se trabalhou bem o conflito do fim do apartheid e nem possibilitou uma excelente atuação dos dois atores. Dessa forma, comprometeu o filme e, portanto, o trabalho do diretor. Um crítico escreveu que Eastwood dirigiu o filme em dois tons, ou seja, fez um filme desigual de forma proposital. Um primeiro de distanciamento proposital e, depois, viria a parte “tocante”. Se for assim – e não acho que seja – a primeira é fraca e a segunda insuficiente. O mérito da história (e não de Eastwood) é ressaltar que a Política não é algo exterior ao nosso dia-a-dia, não é feita somente nos altos escalões dos distantes palácios governamentais. Rugby, como futebol, é também Política. Assim, é gratificante para mim especialmente, ver que a Política pode ser tocante e inspiradora. Ah, para encerrar: Clint, meu caro, não existiam telas planas em 1995!


Cotação: ***½ (3,5/5)


Léo.

PS: Ler as críticas feitas por alguns sites com relação ao filme é realmente instrutivo. O medo da crítica por parte de alguns críticos deveriam fazê-los mudar o nome da profissão. No lugar de “críticos”, deveriam se chamar “elogiadores”. E, pior: alguns escrevem e nem sobre o filme falam, de tanto medo.

Praça Saens Peña (idem), de Vinícius Reis (Brasil, 2008)


Uma crise conjugal de classe média

Um casal unido e feliz, com uma filha geniosa. O marido (Chico Diaz), um professor de Literatura, é convidado para escrever um livro sobre o bairro da Tijuca, uma de suas paixões. E aqui começam os problemas. Sua mulher (Maria Padilha) sonha em comprar um apartamento. A filha (Isabella Meirelles), um computador novo. Sinteticamente, esse é o enredo de Praça Saens Peña. Chico Diaz tem uma atuação inconstante e incerta, não chegando a convencer de que o personagem sente realmente algo. Parece estar sobre os demais personagens, criando uma espécie de “sombra”. A esposa, interpretada por Maria Padilha, talvez represente a personagem mais interessante . Uma mulher “pés-no-chão”, companheira e dedicada, que perde a linha com a dedicação do marido ao livro. Ela o trai de um modo não convincente, nem para a sua personagem – que parece não acreditar no relacionamento extraconjugal –, nem para o filme em si (o início do caso é ridículo). Uma jogada estranha no roteiro. Já a filha adolescente do casal, também fica “vaga” no filme, não saindo, nem chegando a qualquer lugar. No final das contas, o filme parece retratar apenas uma crise conjugal de uma família de classe média, que vive entre as balas perdidas dos morros cariocas. A crise, no entanto, é inverossímil. O destaque fica para alguns toques técnicos interessantes e algumas imagens muito bonitas.

Cotação: ** (2/5)


Léo.