segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sábato leitor de Borges ou A literatura entre o Jogo e a Vida - parte I


É raro vermos um gigante literário escrever sobre outro. E mais raro ainda quando são da mesma nacionalidade e de períodos semelhantes. A crítica, que criticarei, foi feita por Ernesto Sábato em seu livro O escritor e seus fantasmas e data de 1966, com Jorge Luis Borges ainda vivo. Sabe-se que Borges é o escritor latino-americano mais respeitado mundo a fora – talvez com a companhia agora de Gabriel García Márquez. Borges, como seu desafeto Perón, influencia até hoje a cultura argentina. Como na política há os “peronistas” e “antiperonistas”, na literatura há os “borgeanos” e os “não-borgeanos”. Ernesto Sábato, autor do clássico Sobre heróis e tumbas, é também muito reconhecido, mas menos que Borges. A figura de Borges, de certo modo, relegou a um certo esquecimento (injusto) de alguns outros autores argentinos, como Sabato, Cortázar e Bioy Casares – com quem Borges escreveu livros policiais.


Sábato começa seu ensaio afirmando que o objeto da literatura de Borges é a metafísica. Em suas palavras: “O ânimo lúdico conduz ao ecletismo, tal como se vê neste mesmo fragmento: há várias interpretações, cada uma das quais implica uma filosofia diferente. Ao contrário, em um escritor como Kafka, há sempre uma única e obsessiva metafísica”.

Bom, não penso ser razoável criticar Borges por uma “metafísica plural” e absolver Kafka por uma “metafísica unidimensional”. O argumento do doutor (em Física) Sábato é injusto, e provavelmente sentindo isso, completa: “E porque em Borges abundam possibilidades, resistimos a crer em sua crença”.

Um argumento que não nos diz muita coisa de forma razoável. Várias possibilidades impedem uma crença? Mas essa pluralidade de possibilidades não seria mais sincera do que uma única possibilidade? É uma pena que Sábato não tenha explorado melhor o argumento.

Sábato acusa Borges de se apropriar da Filosofia de forma equivocada, “com puro interesse estético, o que ela possa ter de singular, divertido ou assombroso”. E que, por isso: “(...) seu ecletismo é inevitável. E, por outro lado, insignificante, já que ele não se propõe a verdade. Esse ecletismo é ajudado por seu conhecimento sem rigor, confundindo, conforme as necessidades literárias, o determinismo com o finalismo, o infinito com o indefinido, o subjetivismo com o idealismo, o plano lógico com o plano ontológico”.

“Insignificante”. Ou seja, a Literatura lúdica de Borges é insignificante, a despeito de seu conteúdo cultural, que é gigantesco, por “não se propor a verdade”? Talvez aqui esteja uma possível diferença que Sábato não enxergou: a nem tão simples diferença entre Literatura e Filosofia que, essa sim, significa “amor a verdade”. A Literatura é Arte, e é, portanto, expressão, que pode (e não necessariamente deve, como quer Sábato) ser “verdadeira”.

Sábato segue o caminho de sua crítica, afirmando: “Mas como, por outro lado, quer continuar brincando e não quer participar do sempre duro processo de verdade, toma do intelecto o que tomaria um sofista: não procura a verdade e discute apenas pelo prazer mental da discussão e, sobretudo, faz aquilo de que tanto gosta um literato quanto um sofista: a discussão com palavras, sobre palavras”.



Léo.

(continua)

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