domingo, 31 de janeiro de 2010

Amor Sem Escalas (Up in the Air), de Jason Reitman (EUA, 2009)


Turbulências no ar

Depois de uma estreia promissora com Obrigado por Fumar (2005) e um grande segundo filme – Juno (2007) –, esperava-se bastante do terceiro longa do norte-americano Jason Reitman na direção. No entanto, Amor Sem Escalas em muitos aspectos não consegue alcançar essas expectativas. A proposta é interessante. George Clooney interpreta Ryan Bingham, um funcionário especializado em demitir pessoas. A empresa no qual trabalha é contratada por outras para cortar funcionários e Bingham passa a maior parte do tempo viajando pelos EUA fazendo o serviço sujo. Em tempos de crise, a história faz todo o sentido. Porém, o roteiro escrito pelo próprio Reitman, juntamente com Sheldon Turner e baseado no livro de Walter Kim, falha ao tentar mudar a natureza do protagonista. Bingham é um homem desapegado, não liga para a família que mora no interior de Winsconsin, não mantém relacionamentos e nem almeja estabilidade. Gosta de sua rotina de viagens, detesta os poucos dias do ano que fica em casa e tem uma meta na vida: completar 10 milhões de milhas no programa de milhagens da America Airlines. Clooney, sem brilhantismo, consegue construir bem o personagem, com seu estilo solteirão irresistível. A trama se complementa com Natalie Keener, uma nova funcionária que irá acompanhar Bingham em suas viagens e propõe instalar um novo sistema de demissão por vídeo-conferência, e Alex Goran, uma espécie de versão masculina de Bingham, com quem ele irá se envolver – interpretadas por Anna Kendrick e Vera Farmiga, ambas eficientes, mas também sem brilho. Reitman busca conduz o filme num ritmo ágil, como em seus trabalhos anteriores, mas, desta vez, a previsibilidade dá o tom. Se por um lado, a crise é muito bem retratada – inclusive com depoimentos de funcionários que realmente perderam o emprego, não apenas atores –, por outro, a transição do personagem de Clooney não convence. O protagonista, de repente, passa a buscar algo mais estável, abandonando seu estilo de vida e buscando um relacionamento amoroso de verdade. De modo geral, é possível dizer que o filme significa um retrocesso na carreira de Reitman, sobretudo com relação a Juno. Ironicamente, Amor Sem Escalas é favorito na categoria de roteiro para o Oscar, depois de ser premiado nos Globos de Ouro. Mas essa já é outra (não muito animadora) história...


Cotação: *** (3/5)


Zé.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Seção Clássicos


Os Amantes (Les Amants), de Louis Malle (França, 1958)

Um marco do cinema moderno, vencedor do prêmio especial do júri em Veneza no ano de 1958, Os Amantes trata de um tema atual, mas não novo: a questão da liberdade feminina. Além dessa questão, que por si só já é algo louvável nos idos anos 1950, o filme conta com Jeanne Moureau em começo de carreira, além da trilha sonora de Brahms. Sinteticamente, a fita trata da história de Jeanne (Jeanne Moureau), uma mulher que vive em Dijon e é vítima da indiferença do seu marido, o frio e incerto Henri (Alain Cuny). Então ela começa a ir a Paris, ficar com sua amiga Maggy (Judith Magre), uma mulher “moderna”. Lá, conhece Raoul (José Luis de Villalonga), um jogador de pólo e o inverso da medalha de seu marido. O filme apresenta algumas idéias geniais que resumem o espírito de época em poucas palavras, como, por exemplo, quando Henri diz para Jeanne que “sempre” é uma palavra de mulher, e ela replica dizendo que “diversão” é uma palavra de homem. Um par de oposição criativo e verdadeiro. Um ponto interessante de se notar é o papel da vaidade, que em trechos do filme, aparece como um sinal de liberdade – seria desnecessário notar que a vaidade em excesso também é uma prisão. Além disso, em certo momento, Jeanne decide visitar o marido no jornal em que ele trabalha e lá se depara com a sua secretária, que em suas palavras é “uma mulher de sorte”, pois trabalha. Ademais, a indiferença do marido a liberta, possibilitando que ela vá a Paris ver a amiga e o amante com frequência. E aqui há outro ponto a se destacar: a liberdade desses parisienses. A amiga Maggy parece ter aquele tipo de liberdade tipicamente solitária – ainda que sempre estivesse acompanhada –, alienada e fútil. O amante é um bom-vivant. A frase da narradora é fulminantemente verdadeira e aterradora: “Um marido abominável e um amante que beira o ridículo”. E Jeanne, aqui, resolver ser outra pessoa, uma pessoa de fato livre – apesar de discordar veementemente de algumas de suas decisões. Pararei por aqui, já que espero que quem ler esse texto, veja o filme. No entanto, expressemos: não há que temer a liberdade, apesar da liberdade nos dar medo. Um filme incômodo porque livre, ou livre porque incômodo? Se não temos a resposta da questão, resta nos dizer que, com esse filme, Malle nos dá um exemplo de compromisso. E, de fato, o Cinema tem o compromisso com a Arte e, portanto, com a Liberdade.


Léo.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

À Moda da Casa (Fuera de Carta), de Nacho G. Velilla (Espanha, 2008)


Receita pronta

Um chefe de cozinha obcecado por uma avaliação positiva de seu restaurante. Uma mâitre frustrada com os homens. O chefe e a mâitre se apaixonam pelo mesmo homem, um ex-jogador de futebol. Ou seja, um enredo típico de um filme espanhol. Cores fortes, ambientes descontraídos e humor sexual. Nisso, não se inova em absolutamente nada – aliás, poderia ser perfeitamente creditado a Pedro Almodóvar. Como comédia, a diversão depende inteiramente do estado de espírito do espectador – alguns dirão que qualquer comédia é assim, do que eu discordo. Reconheço que, embora não tenha rido como a mulher que sentou à minha frente durante a sessão, as jogadas humorísticas eram boas, embora previsíveis, em alguns casos. O protagonista Maxi (Javier Cámara) tem uma atuação excelente, indo dos risos as lágrimas de uma forma impressionante. De resto, menciona-se a eficiente Lola Dueñas, como sua fiel escudeira. O restante do elenco tem participação fosca, borrada – com destaque para o esquisito Ramiro (Fernando Tejero). Um ponto que não se pode deixar de mencionar é a questão do relacionamento homossexual, que no filme tem papel fulcral. Essa questão aparece como uma não aceitação de diversos segmentos sociais, desde a família do protagonista até o âmbito do futebol. A saída proposta é a mais otimista possível. À Moda da Casa, no geral, é elegante (algo raro para uma comédia). Assim, pode ser visto como um bom filme, que trata de questões sérias para a sociedade atualmente, mas que não serve de base para uma reflexão mais aprofundada. No entanto, uma falha é a falta de caminhos que o filme apresenta. O único personagem que apresenta essa possível dúvida é o jogador de futebol aposentado, namorado de Maxi. Porém, a atuação fraca do ator não deixou que essa dúvida fosse impressa realmente no personagem.

Cotação: *** (3/5)


Léo.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Fim – do Cinema, da História e da Humanidade


Nosso tempo tem uma característica interessante: uma paixão pelo fim. Marx anteviu uma revolução para o fim da “pré-história da humanidade”. Weber, mais resignado, apontou para a nossa crosta de aço (jaula de ferro) dos tempos modernos. O mais recente, Francis Fukuyama decretou: o capitalismo é o fim da história. Vivemos numa era de aquecimento global, sinal do fim da humanidade. E, mais do que isso, já que as guerras, cada vez mais destrutivas, crescem. Os desastres naturais se intensificam e a crença no diálogo, a nossa esperança, cai por terra em qualquer reunião de cúpula mundial. Jean-Luc Godard, o camaleão cinematográfico, já disse: “Cinema is over”. Sua melancolia atual, característica de sua terceira fase, atesta-nos que o outrora revolucionário diretor se resignou. Disse ele que “houve um tempo em que o cinema poderia ter melhorado a sociedade, mas esse tempo passou”. E o cinema engajado, inclusive no próprio Brasil, inspirado pelo Cinema Novo de Glauber Rocha, tem, notoriamente, perdido espaço. Não me parece coincidência que tantas e diversas perspectivas convirjam à toa para o ponto final. A indagação é: por quê? Será que é culpa de um destino certo e trágico? O ser humano é realmente tão fraco perante suas próprias criações? Isso é paradoxal. Voltemo-nos para o Cinema. No auge da diversificação tecnológica e, portanto, do acesso à imagem e do experimentalismo, será que o Cinema perdeu esse potencial crítico? Godard coloca o Cinema no âmbito da Arte, ou seja, da liberdade, da exceção. No entanto, coloca a Indústria Cinematográfica – que aqui pode ser entendida como Indústria Cultural à Escola de Frankfurt – no âmbito da Cultura, ou seja, das regras. A cultura “normal”, aquela que se preocupa com o lucro e fórmulas, venceu a Arte, segundo Godard. As regras venceram a liberdade. No entanto, eu apostaria nessa possibilidade de pluralidade das imagens. A Cultura venceu a Arte porque uma era “normal” e a outra “exceção”. Nos tempos de hoje, a Cultura, cada vez menos monopolizada no quesito imagens, pode deixar de ter essa hegemonia. A exceção vira regra e Godard é salvo. Fácil não é, porque há outras questões, como a ideologia. Mas isso é outra história. O que importa é deixarmos essa paixão pelo “fim”, e nos voltarmos para nós mesmos, autores de nossas vidas.


Léo.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Os Piratas do Rock (The Boat that Rocked), de Richard Curtis (Reino Unido/Alemanha/EUA/França, 2009)


Longa vida ao Rock

O veterano roteirista neozelandês radicado na Inglaterra Richard Curtis havia dirigido apenas um longa, a comédia romântica Simplesmente Amor (2003), repleta de bons atores (Rodrigo Santoro não se inclui nessa categoria), mas, numa avaliação geral, bastante comum e mediana. No entanto, Os Piratas do Rock representa algo além de uma simples comédia piegas para pescar público. Curtis constrói, acima de tudo, uma homenagem à música popular britânica, mais especificamente, ao Rock. O cenário é catastrófico para os (muitos) fãs do gênero musical: década de 1960, a BBC detinha o monopólio da radiodifusão no Reino Unido, ou seja, apenas as emissoras públicas podiam funcionar legalmente. E essas emissoras tocavam apenas 45 minutos de música popular por dia. A solução encontrada eram as rádios piratas, ouvidas por cerca de metade da população britânica. O filme retrata justamente o dia-a-dia de uma rádio pirata (fictícia) transmitida de um barco no Mar do Norte, a Rádio Rock, e a tentativa de um alto e retrógrado funcionário do ministério britânico (um Kenneth Branagh especialmente inspirado) para fechá-la. O comportamento libertino dos DJs da rádio proporciona situações cômicas, rendendo boas risadas. Tudo isso facilitado por um elenco afiado e extremamente eficiente. Mas o que realmente dá o tom diferenciado ao filme é a trilha sonora excelente, recheada de hits do período e de outras faixas menos conhecidas. Curtis consegue compor muito bem a situação e o ambiente através das músicas, realizando um filme ao mesmo tempo engraçado e belo. É verdade que o final pode ser considerado clichê, mas ainda assim agrada pela mensagem a favor da música popular, do rock e de seu poder diante de qualquer adversidade.

Cotação: **** (4/5)


Zé.

Eric Rohmer e o futuro do Cinema


Eric Rohmer faleceu na última segunda-feira (11/01). Confesso que, embora conheça razoavelmente as obras de Godard e Truffaut, Rohmer ainda me é misterioso. Admitindo uma ignorância, talvez imperdoável, aqui ficam os pesares pela morte de um diretor-autor – utilizando a diferenciação que Michel Foucault faz entre “autores” e “escritores”. Foucault afirma que “autor” é aquele que funda um estilo de escrita, de pensamento e de prática e o “escritor” seria o reprodutor dessas linguagens. Pois bem, Rohmer, um dos fundadores da Nouvelle Vague, merece estar no panteão dos “autores” – aliás, essa era uma das bandeiras fundamentais do movimento. E isso serve para pensar o caminho sinuoso e incerto para o qual o Cinema caminha. Nós vivemos uma “Era dos Extremos” – expressão de Eric Hobsbawn. Por um lado, vivemos num mundo culturalmente industrializado, vendido e reificado. Por outro, todos podemos ser autores de cinema com apenas um celular. O Cinema, especialmente, enfrenta o desafio de se equilibrar nestas extremidades. E pessoas como Rohmer nos servem de guias nesse caminho porque, se essa revolução tecnológica nos dará um novo cinema, é fundamental que haja a capacidade de compreensão e absorção da herança da estética que finda. Sem isso, não há Cinema possível.

PS: A obra de Rohmer está sendo lançada no Brasil. Se alguém puder conferi-la, confira, que deve valer a pena.


Léo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sábato leitor de Borges ou A literatura entre o Jogo e a Vida - parte II


Sábato continua no equívoco monumental da ligar Borges, um literato, como os sofistas. Sofisma é um conceito filosófico, não artístico. Segue: “Para ele, neste momento, a filosofia não pode se propor à verdade (em outro, mais sério, mais culpado, dirá o contrário), e tudo é confundível”.

Segue: “Assim, esse autor que diz na filosofia só busca suas encantadoras possibilidades literárias e que, com efeito, as aproveita para seus relatos, em outro lugar, reconhece que ‘a história da filosofia não é um jogo vão de distrações, nem de jogos verbais’. O autor que põe o engenho como atributo mais alto da literatura, e que faz de um argumento engenhoso a base (e até a essência) de muitos de seus contos exemplares, nos diz em outro lugar (...) que a literatura como jogo formal é inferior à literatura de homens como Cervantes ou Dante, que jamais a exerceram desse modo”.

Borges não foi um idiota e sabia perfeitamente que “a história da filosofia não é um jogo vão de distrações, nem de jogos verbais”. O que não invalida a tese que defendo aqui: a Filosofia também é um jogo verbal, o que, portanto, não quer dizer que seja só isso. Lembremos que a Filosofia é a “mãe” do conhecimento ocidental (e, talvez, mundial) e não tem “ramificações”. Ou seja, a Filosofia pode abarcar as demais áreas do conhecimento, como são a própria Arte e Ciência. O contrário, no entanto, não é necessariamente verdadeiro (e eu duvido que o seja). Além disso, Sábato compara Borges com Cervantes e Dante. Essa é uma comparação “justa”? E, para além disso, Quixote não tem algo de lúdico?

O “jogo”, segundo Sábato, posterga, mas não aniquila nossas angústias. E as angústias de Borges reapareceriam no culto de autores “que não são de forma alguma o paradigma de sua estética, nem de sua ética literária: Whitman, Mark Twain, Goethe, Dante, Cervantes, Leon Bloy e até Pascal”.

E essa culto de Borges, no entanto, é ambíguo, pois sua “paixão verbal” falaria mais alto, de tal modo que: “(...) do vasto Quixote, nos recomendará suas ‘magias parciais’; do áspero Dante, se regozijará em sua complicada e livresca teologia, ou na forma de seu inferno; do complexo Joyce, se deleitará com o inventor de palavras e recursos técnicos, com o erudito e engenhoso; do tremendo Nietzsche reterá a tese (atraente e literária) do eterno retorno; do atormentado e intratável Schopenhauer, sua paixão pelas artes e sua idéia do mundo como resultado da vontade e representação”.

E arremata: “Sob essa ambigüidade, creio perceber o culto secreto pelo que a ele falta: vida e força”.

O incrível é que Sábato precisou desmerecer a obra de Borges para chegar em uma conclusão óbvia. Que Borges teve certa dificuldade de “viver”, qualquer biografia o diz. Se formos benevolentes, e acrescentarmos ao conceito de “viver” o de “pensar”, Borges ganha pontos.

“(...) o Borges que queremos resgatar e que, de fato, é resgatável: o poeta que uma vez cantou coisas humildes e fugazes, mas simplesmente humanas: um crepúsculo de Buenos Aires, um pátio de infância, uma rua no subúrbio. Este é (atrevo-me a profetizar) o Borges que ficará. O Borges que, depois de seu périplo frívolo por filosofias e teologias nas quais não crê, volta para este mundo menos brilhante, mas em que acredita; este mundo em que nascemos, sofremos, amamos e morremos”.

E, por que, resgatar apenas “um” dos Borges? Se, como quer Sábato, há uma certa oposição entre os dois Borges, seria, na minha opinião, injusto resgatar apenas um. No entanto, o que queremos aqui reafirmar, com certa obviedade (que é desculpada pelo esquecimento de algumas pessoas), é que Borges é borgeano. “É confundível, bipolar e enxadrístico”. Não há Jogo sem Vida. Os dois são um, como Borges.


Léo.

Sábato leitor de Borges ou A literatura entre o Jogo e a Vida - parte I


É raro vermos um gigante literário escrever sobre outro. E mais raro ainda quando são da mesma nacionalidade e de períodos semelhantes. A crítica, que criticarei, foi feita por Ernesto Sábato em seu livro O escritor e seus fantasmas e data de 1966, com Jorge Luis Borges ainda vivo. Sabe-se que Borges é o escritor latino-americano mais respeitado mundo a fora – talvez com a companhia agora de Gabriel García Márquez. Borges, como seu desafeto Perón, influencia até hoje a cultura argentina. Como na política há os “peronistas” e “antiperonistas”, na literatura há os “borgeanos” e os “não-borgeanos”. Ernesto Sábato, autor do clássico Sobre heróis e tumbas, é também muito reconhecido, mas menos que Borges. A figura de Borges, de certo modo, relegou a um certo esquecimento (injusto) de alguns outros autores argentinos, como Sabato, Cortázar e Bioy Casares – com quem Borges escreveu livros policiais.


Sábato começa seu ensaio afirmando que o objeto da literatura de Borges é a metafísica. Em suas palavras: “O ânimo lúdico conduz ao ecletismo, tal como se vê neste mesmo fragmento: há várias interpretações, cada uma das quais implica uma filosofia diferente. Ao contrário, em um escritor como Kafka, há sempre uma única e obsessiva metafísica”.

Bom, não penso ser razoável criticar Borges por uma “metafísica plural” e absolver Kafka por uma “metafísica unidimensional”. O argumento do doutor (em Física) Sábato é injusto, e provavelmente sentindo isso, completa: “E porque em Borges abundam possibilidades, resistimos a crer em sua crença”.

Um argumento que não nos diz muita coisa de forma razoável. Várias possibilidades impedem uma crença? Mas essa pluralidade de possibilidades não seria mais sincera do que uma única possibilidade? É uma pena que Sábato não tenha explorado melhor o argumento.

Sábato acusa Borges de se apropriar da Filosofia de forma equivocada, “com puro interesse estético, o que ela possa ter de singular, divertido ou assombroso”. E que, por isso: “(...) seu ecletismo é inevitável. E, por outro lado, insignificante, já que ele não se propõe a verdade. Esse ecletismo é ajudado por seu conhecimento sem rigor, confundindo, conforme as necessidades literárias, o determinismo com o finalismo, o infinito com o indefinido, o subjetivismo com o idealismo, o plano lógico com o plano ontológico”.

“Insignificante”. Ou seja, a Literatura lúdica de Borges é insignificante, a despeito de seu conteúdo cultural, que é gigantesco, por “não se propor a verdade”? Talvez aqui esteja uma possível diferença que Sábato não enxergou: a nem tão simples diferença entre Literatura e Filosofia que, essa sim, significa “amor a verdade”. A Literatura é Arte, e é, portanto, expressão, que pode (e não necessariamente deve, como quer Sábato) ser “verdadeira”.

Sábato segue o caminho de sua crítica, afirmando: “Mas como, por outro lado, quer continuar brincando e não quer participar do sempre duro processo de verdade, toma do intelecto o que tomaria um sofista: não procura a verdade e discute apenas pelo prazer mental da discussão e, sobretudo, faz aquilo de que tanto gosta um literato quanto um sofista: a discussão com palavras, sobre palavras”.



Léo.

(continua)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Lula – O Filho do Brasil (idem), de Fábio Barreto (Brasil, 2009)


Um exemplo clássico de cinebiografia

Tive a oportunidade de comentar sobre a nova perspectiva que Coco Antes de Chanel (2009) deu ao gênero cinebiografia. E agora tenho a oportunidade de comentar um exemplo tradicional. Logicamente, seria esperar muito que Lula – O Filho do Brasil fosse marcado por experiências cinematográficas, já que os irmãos Barreto e a Globo Filmes são absolutamente conservadores no que se refere à estética de seus filmes, que, muitas vezes, parecem capítulos longos de uma minissérie qualquer. Quem for ver filme, não irá pela estética, mas pelo “conteúdo” (embora, na minha visão, não haja separação). E o filme nos mostra, antes de mais nada, uma ficção, uma versão. O Lula do filme é quase neocorporativo no que se refere aos sindicatos (chegou a ser estranho o número de vezes que Rui Ricardo Diaz afirmou que não era comunista). Mostrou também um Lula galante e bem-educado, quase apolítico. A política teria entrado em sua vida quase que como por acaso. Além disso, o filme pula inacreditavelmente o episódio da fundação do PT. Com uma montagem clássica de cinebiografia, possui um personagem carismático, perseverante, direcionado e sábio. Não duvidamos que Lula o seja, mas é muito possível que não seja assim completamente. O ponto altamente positivo do filme foi o não uso da Lei Rouanet. E o temor dos oposicionistas, que veriam o filme como uma possível campanha velada pra Dilma Rousseff, pode ser diminuído, já que não houve abordagem da carreira política de Lula. Finalmente, é um filme que não desacredita nem acrescenta nade de novo ao cinema nacional, só ao caixa dos produtores.

Cotação: **½ (2,5/5)


Léo.